quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Retratos do Corredor da morte

Fotógrafo norte-americano quer estimular o debate sobre o uso do assassinato para resolver o problema do assassinato

Bola Teixeira
Mumia Abu-Jamal, acusado pela morte de um policial, no corredor da morte em Huntington, no período do ensaio 

O fotógrafo norte-americano Lou Jones, de 65 anos, dedicou seis anos para documentar algo quase invisível. São histórias inéditas de uma subcultura americana: as pessoas no corredor da morte. A peregrinação do fotógrafo resultou no livro Exposição Final: Retratos do Corredor da Morte (do original Final Exposure: Portraits from Death Row).

Robert West, um dos condenados fotografado por Lou Jones. West foi executado em 1997.
Lou Jones e equipe percorreram onze estados norte-americanos que adotam o “assassinato oficial” como pena capital aos detentos considerados de alta periculosidade. Dos 27 personagens fotografados, seis foram executados.

“Lorie Sável e eu entrevistamos cada um desses prisioneiros, sem precedentes, sem grades, sem barreiras, sem restrições... sem vidro”, observa Lou Jones, referindo-se a Lorie Savel Borges, que na época do projeto trabalhava com o fotógrafo em seu estúdio. As dificuldades foram muitas para conseguir chegar ao resultado final.
“Minha equipe e eu resistimos a nevascas, motéis baratos, refeições gordurosas e revistas em nossos corpos, a fim de trazer à luz essa história. Nós confraternizamos com algumas das melhores mentes jurídicas e muitas das pessoas mais depravadas. Gastamos quantidades inacreditáveis de dinheiro”, relembra o fotógrafo.

A ideia do projeto surgiu quando Lou, ainda jovem, com seus quinze anos, discutia com seu pai a pena máxima. Ele não entendia como o Estado poderia ter o direito de tirar a vida de uma pessoa. Já adulto, e fotógrafo, idealizou a missão de debater esse controverso tema. “Eu percebi antes de começar que não tem que viajar meio mundo para encontrar algum fenômeno exclusivo ou civilizações descobertas para despertar a nossa curiosidade. O problema do assassinato sancionado pelo governo está aqui entre nós”, explica o fotógrafo, que tinha uma só arma para levantar essa discussão: sua arte. “Eu queria ver se a arte podia fazer a diferença”.

A operacionalização do trabalho realizado em quatorze corredores não foi uma tarefa fácil.
Além do aparato de equipamento utilizado, Lou e sua equipe esbarraram em três obstáculos: a obtenção de permissões por parte dos reclusos, que sempre começavam dizendo não, o departamento de correções de cada jurisdição e, por fim, os advogados de cada réu.

“Minha arma secreta foi Lorie. Com muito trabalho e persistência, ela conseguiu autorização para entrar e fotografar. Todas visitas de contato. O que significa encontros cara a cara”, relembra Jones. No estado do Texas, que hospedou o maior corredor da morte dos EUA e que “cometeu” a maioria das execuções oficiais, houve maior resistência.

“O diretor se recusou a nos receber em mais de uma ocasião. A equipe legal que lutava para impedir a execução de Gary Graham (também conhecido como Shaka Sankofa) ouviu falar sobre o nosso projeto e pediu para que ajudássemos com seu caso. Ou seja, a nossa fotografia poderia ser útil em sua defesa da inocência. Eles tinham uma estratégia única, mas não poderiam ajudar no nosso acesso. Por conta das maquinações de Lorie, durante a pré-execução de Graham tiramos fotos e o entrevistamos. Todo o sistema jurídico estava pronto para sua injeção letal em poucas horas, mas ele recebeu uma suspensão da execução de última hora. Ironicamente ele perdeu a batalha, no mesmo ano”.

Foi Shaka Sankofa que apresentou a Lou Jones o também detento James Beathard. Juntos, eles publicaram o jornal da prisão. Depois de muitas cartas manuscritas entre Beathard e o fotógrafo, Foi possível o retorno à prisão para fotografar mais seis detentos. Mais tarde, depois de mais negociações, foram apresentados a Pam Perillo, uma mulher condenada à morte: “As imagens e sons permeavam o ar e cheiravam a dor cada vez que os portões gigantescos fechavam atrás da minha equipe. Lembro-me claramente de ser psicologicamente sombreado pelo espectro da morte, onde quer que fosse”, comenta o autor do ensaio.

Para cada retrato há uma história. Lou Jones levou quase nove meses para escrever 26 textos – afinal, ele é um fotógrafo e não um escritor. “David Lee Powell foi a última história que eu escrevi. Eu protelei devido ao simples fato de que eu não gostava dele. Sua história não foi estereotipada. Ele foi classe média branca, educada, e possuía um QI extraordinário. Sua atitude foi de superioridade e condescendência. Ele entrou, cuspiu no celular, ridicularizando a nossa presença, e fazia perguntas estúpidas. Não é que eu me tornei amigo de todos os outros, mas David era hostil e sua entrevista havia sido problemática. Lorie e eu estávamos no limite durante a sessão inteira. Meses depois, comecei a receber diariamente chamadas de longa distância, do Texas. Powell estava se preparando para um novo julgamento e, a partir de sua cela, ele me telefonava. As conversas intermináveis me custaram uma fortuna, mas nos tornamos bons amigos, separados por metade do país, barras de ferro e um forte sentido de obrigação. É estranho como você fica indissociavelmente ligado a algumas pessoas”.

Ao iniciar seu projeto, Jones não tinha a menor ideia do que as pessoas que iriam ter acesso ao produto (livro, exposições em escolas e galerias...) pensavam a respeito da pena capital. “Nós nunca tivemos a intenção de evocar a simpatia ou até mesmo pena para os indivíduos retratados. As suas transgressões jamais podem ser perdoadas. Todo o exercício foi concebido para estimular o debate sobre o uso do assassinato para resolver o problema do assassinato”, concluiu Lou Jones.

Fotógrafo estará no Brasil

O autor do ensaio Final Exposure será um dos palestrantes do Estúdio Brasil, que acontece de 8 a 10 de novembro no Teatro das Artes, em São Paulo. Lou Jones abordará o tema Speedlights & Speedlites na quarta-feira, dia 9.

* Matéria originalmente publicada na edição #38 da revista Photo Magazine.

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